quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Yoga e Didática


Por Marcos Rojo
PRINCÍPIOS PARA A COMPOSIÇÃO DE UMA SÉRIE DE YOGA
Assim que decidimos praticar por conta própria, ou seja, sem a condução de um professor, vem a primeira pergunta: “O que devo fazer?” Imediatamente parece que tudo o que aprendemos foge da nossa memória e não nos lembramos mais do que uma dúzia de exercícios. Na verdade, tudo está guardado na nossa cabeça, apenas não temos o hábito de ir buscar. 
É importante fazer o que você gosta e o que você precisa. Nem sempre, gostamos do que precisamos. Pense numa pessoa agitada, que se deita para fazer 5 minutos de relaxamento e compare-a com outra pessoa que é concentrada e silenciosa por natureza. Qual das duas precisa mais do relaxamento? Qual delas gosta mais de relaxar?
Fazer os exercícios que gostamos nos dá uma sensação de prazer na prática e isto nos motiva. Fazer o que precisamos, numa dose aceitável para não tornar a prática desagradável, até que um dia, o exercício difícil também fique fácil e prazeroso.
Existem algumas normas para a escolha das técnicas de yoga para compor uma série. Fazer pelo menos um de cada:
• Flexão da coluna - exercícios onde inclinamos o tronco para frente ou aproximamos o tronco das coxas. Neles, alongamos os músculos posteriores do corpo.
• Extensão da coluna – exercícios onde inclinamos o tronco para traz ou distanciamos o tronco das coxas. Neles, alongamos os músculos anteriores do corpo.
• Inclinação lateral da coluna – exercícios onde o corpo se inclina lateralmente com relação a seu eixo, alongando os músculos laterais do corpo.
• Torção ou rotação da coluna – exercícios onde o corpo gira em seu próprio eixo, alongando a maioria dos músculos do tronco.
• Exercícios de fortalecimento da região abdominal – exercícios que para a sua realização exigem a ação da musculatura do abdome.
• Exercícios de equilíbrio – exercícios que para sua realização colocam o corpo em situação de equilíbrio vulnerável. Como ficar num pé só, quando na posição em pé.
• Posições invertidas – aquelas em que o quadril fica numa posição mais elevada do que a cabeça ou as pernas numa posição mais elevada do que o quadril.
 Pranayamas – exercícios que tem como ponto principal a interferência no padrão rítmico respiratório. Devem ser feitos numa posição de meditação.
• Meditação – técnicas que visam disciplinar a ação desordenada e excessiva dos pensamentos.
Tendo escolhido os exercícios, a segunda questão importante para a composição da série, é a determinação de uma ordem. Uma seqüência de exercícios de yoga, deve seguir princípios comuns às teorias de aprendizagem:
 Do fácil para o difícil – antes de ler um livro, devemos aprender o alfabeto. Algumas posturas são difíceis para uns e fáceis para outros. No caso do yoga é importante destacar que fácil e difícil, não é uma referência à ação muscular ou ao desenvolvimento de uma habilidade com o corpo. Que o sentido do fácil para o difícil é o mesmo que do grosseiro para o sutil; do concreto para o abstrato; do corpo para a mente, do dinâmico para o estático e do asana para a meditação. Se não aprendermos a aquietar o corpo, não aquietaremos a mente. Patanjali deixa bem claro que os asanas preparam o praticante para os pranayamas e os pranayamas levam o praticante à concentração.
 Preparação – a maioria de nossas atividades é precedida de uma preparação. Em yoga, o sentido de preparação não é sinônimo de aquecimento. Aquecimento é um termo importado da educação física, mas que tem outros conceitos. Alguém aquece o corpo para se preparar para movimentos explosivos, o que não é o caso do yoga, ou pelo menos não deveria ser. Nos preparamos para uma prática de yoga com relaxamento ou recitando a sílaba “OM”, por exemplo. Caso na sua série tenha exercícios mais dinâmicos, inclua-os como preparatórios e deixe os mais estáticos para o final.
 Complementação – exercícios que atuam na mesma região, mas em sentido contrário, devem ser considerados complementares. Após torcermos para um lado, faremos a mesma torção para o outro lado, mas nem sempre pensamos nisto no caso da flexão e extensão, por exemplo. A postura da vela e peixe, são complementares, assim como também o são o arado e a cobra, por exemplo. O sentido de complementação, não é o mesmo da compensação da educação física. Aqui, estamos falando da otimização do efeito dos exercícios. Pela suavidade e leveza com que os asanas devem ser praticados, a idéia da compensação não faz sentido. Lembre-se que estamos nos referindo à prática tradicional do yoga. Talvez linhas mais dinâmicas não se encaixem nestes princípios.
• Posição inicial – como a prática de yoga prevê concentração, é interessante que o praticante não fique mudando o tempo todo de posição. Ou seja, se estiver em pé, se possível faça todas as posturas em pé que você planejou, quando se deitar, faça as deitadas e assim por diante.
Tendo escolhido os exercícios e a ordem na qual serão praticados, a próxima questão importante é a forma como vamos praticar, sem as quais a prática poderá perder seu sentido e objetivo.

Aspectos individuais que caracterizam a prática de Yoga:
Ritmo – Cada um deve executar os movimentos que o levam até a postura e o trazem de volta no seu próprio ritmo. Um não deve copiar o ritmo do outro. O ritmo varia de movimento para movimento, de pessoa para pessoa e de dia para dia. Em Yoga, o ritmo é a velocidade constante do início ao fim que se determina para um movimento, que possibilite controle e que seja agradável. No mínimo, o ritmo é um movimento observado. Por traz do ritmo, está a idéia de controle. O ritmo garante a qualidade da concentração durante a prática. Movimentos feitos com impulsos e solavancos distraem o praticante.
Amplitude - É a mobilidade (articular) associada à flexibilidade (muscular) que permite ao praticante movimentar-se até determinados limites. Em Yoga a amplitude não é o máximo possível, mas é o máximo confortável. Talvez uns 85% do máximo possível. Cada um deve executar os movimentos na sua amplitude sem ter uma referência externa, ou seja, o padrão de execução é interno. O que deve orientar o praticante com relação à amplitude é uma sensação. Numa aula em grupo, independentemente do limite, todos devem ter a mesma sensação. Por traz da amplitude está a idéia de reconhecimento de limites, de verdade e de auto-conhecimento.
Permanência – É mais do que a simples capacidade de se manter no asana (postura). Permanência é um estado de presença. Estar presente significa estar consciente da maior quantidade possível de informações que chegam ao sistema nervoso central naquele momento. Manter-se na postura pensando no que vai fazer mais tarde ou se lembrando do que lhe aconteceu ontem, é ausência. Os que não conhecem Yoga, podem confundir o estado de presença com um estado de ausência, achando que no momento em que o praticante se encontra imóvel numa determinada postura, que no seu silêncio, ele está fora, mas nunca esteve tão dentro.
Descanso – É o tempo necessário entre uma técnica e outra, onde praticante observa o efeito do que foi realizado. Não é simplesmente para descansar, é o momento em que escutamos. Neste diálogo entre o corpo e a mente, durante a execução do exercício nós “falamos” e durante o descanso, nós “ouvimos”. Por traz da idéia do descanso, está a manutenção da capacidade de se perceber. Hoje em dia nós falamos muito e ouvimos pouco. Temos que desenvolver a observação passiva.
Série – Com o tempo, cada um vai reconhecendo o efeito das técnicas em si mesmo, desenvolvendo a capacidade de aplicá-las às suas necessidades do momento. Não faz sentido para um praticante antigo, que alguém lhe diga o quanto deve ficar numa postura, ou mesmo, quais as posturas que ele deve fazer naquele dia. O corpo nos diz se precisamos mais de relaxamento, mais de alongamento posterior ou anterior, basta que cada um saiba perceber.
Para concluir, lembre-se que um dos princípios da prática dos asanas é a estabilidade e um dos sinônimos de estabilidade é a imobilidade. Porém, não confunda imobilidade com inatividade. A atividade que mantém você imóvel é a atividade que nos interessa em Yoga. A coordenação dos impulsos neuro-musculares para manter o praticante imóvel com o menor esforço possível, exige treino. É como um peãozinho daqueles que brincávamos quando crianças. À distância parece imóvel, tal é o equilíbrio em que se encontra, mas existe uma atividade por traz desta aparente imobilidade e esta atividade é Yoga.

Para os que pensam em ensinar yoga

YOGA E DIDÁTICA
Didática significa técnica de ensino ou o estudo da técnica para orientar a aprendizagem. Em outras palavras, é a elaboração de recursos e estratégias por parte daquele que ensina, para que sua instrução possa ser claramente compreendida. Por sua vez, ensinar significa transmitir conhecimento ou no mínimo, organizá-lo de tal forma, que o aluno possa resgatar o que já lhe pertence, mas que ainda não se tornou visível, em palavras populares: “fazer cair a ficha”.
Gostamos de nos intitularmos professores de yoga, sem nos darmos conta do peso deste título. Professor é aquele que ensina e por traz da palavra educação está a idéia de auto conhecimento, liberdade e autonomia. Professor não é um demonstrador, demonstração é um recurso que às vezes pode ser útil. Professor não é o reprodutor de uma série e nem àquele que condiciona seus alunos a seguir seu comando.
Os antigos textos do Hatha Yoga, não fazem referências sobre didática, os discípulos moravam junto com mestre, partilhando o saber daquele que já havia passado pela experiência. Seguramente o mestre não reunia seus discípulos na clareira da floresta para conduzir uma prática de yoga como nos dias de hoje, com tom de voz brando, falando o tempo todo para elevar um braço, flexionar uma perna ou girar o tronco.
Nós “professores” de yoga, dizemos que ensinamos, mas, muitas vezes, condicionamos nossos alunos a seguirem nosso comando, sem darmos a eles a oportunidade de experimentarem o prazer de uma prática auto-comandada. Meu primeiro pensamento a este respeito veio numa aula na Universidade de São Paulo, quando pedi aos alunos que relaxassem e depois de 3 minutos em silêncio, uma senhora me disse que não estava ouvindo. Eu respondi a ela que não estava falando e ela retrucou, dizendo: “Então como vou relaxar se você não vai conduzir?”
Penso que temos que criar momentos durante a aula, onde o aluno se sinta o dono de sua prática. Que ele tenha a oportunidade de seguir o comando interno que dirá a ele naquele dia, qual é o ritmo adequado, qual é o limite correto, quanto de permanência para tal exercício e com o tempo de prática, que ele consiga inclusive, determinar qual a série mais indicada para as suas necessidades.
A aula conduzida tem características diferentes da prática em casa, o aluno perceberá que nas aulas em conjunto ele aprende e tem experiências que o orientarão posteriormente nas práticas individuais. Engana-se o professor que acha que vai perder o aluno, quando este começar a fazer Yoga em casa, sozinho. Este aluno vai sempre sentir a necessidade de um contato com o grupo e com o professor. Nós perdemos o aluno que começa a praticar menos, aquele que pouco se envolve com as práticas. 
 
Resumo da aula dada pelo professor Marcos Rojo no curso de didática em Yoga.

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