Fonte: WeMystic Brasil
📷 : Érica Ribeiro
Sob significado de “qualidade”, o conceito da palavra sânscrita “Guna” é considerado tanto pela Ayurveda quanto por escolas clássicas do pensamento e filosofia, como o Yoga, como uma das três qualidades essenciais da natureza (Prakriti). Isso significa, de acordo com esses princípios, que todo o universo seria, portanto, regido e constituído por elas.
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Para exemplificarmos melhor esse conceito, os hindus compreendem a existência dos Gunas a partir de uma interpretação sobre a criação e dissolução do universo – processo que ocorre de tempos em tempos. Durante sua fase não manifestada, o universo permanece em um estado latente, período este onde os Gunas se encontram em equilíbrio absoluto, e a natureza material não se manifesta.
Enquanto os Gunas se mantêm em sua fase não-definida, o Prakriti continua indefinido e o universo existe somente em um estado potencial, tudo o que realmente existe é consciência, Brahma, o Absoluto Imutável, Purusha (Ser Puro ilimitado), aquilo que não tem começo nem fim. Mas então, logo esse equilíbrio passa a ser perturbado…
A perturbação do equilíbrio dá início a recriação do universo e, a partir da consciência imutável, o universo é mais uma vez criado. Nesse processo, os três Gunas participam de uma grande variação de combinações e permutações, onde um ou outro pode predominar sobre os demais, dando origem a fenômenos físicos e mentais ao mundo.
Ayurveda e os 3 Gunas: Sattva, Rajas e Tamas.
Descritos pela Ayurveda e por demais literaturas de origem hindu, os Gunas são descritos muitas vezes como energias, outras como qualidades ou forças. Esse triângulo simultaneamente oposto e complementar é responsável por governar tanto o universo físico quando a personalidade e padrões de pensamento de cada indivíduo em seu dia-a-dia.
São os Gunas que originam nossos fracassos ou realizações, alegrias ou tristezas, saúde ou doença. A qualidade de nossas ações depende principalmente da ação deles, onde Sattva é a força criativa, a essência do que precisa ser concretizado; Tamas é a inércia, o obstáculo a ser superado; e Rajas é a energia ou poder pelo qual o obstáculo pode ser removido.
Em outras palavras, Sattva costuma ser frequentemente considerado como uma representação da pureza e da tranquilidade; Rajas, por sua vez, é referido como a ação, à violência e ao movimento. Tamas, por fim, consiste no princípio da solidez, da resistência, da inércia e também da imobilidade.
Assim como acontece com os três doshas, os Gunas estão presentes em tudo, mas um deles sempre predominará, seja em personalidades, fisiologias, e até elementos da natureza como a luz do Sol (Sattva), um vulcão em erupção (Rajas) e um bloco de pedra (Tamas).
Em termos da mente humana, ao longo do dia sempre haverá Gunas em relacionamentos que estão em constante mudança. Veja como reagem as pessoas com cada um dos Gunas em dominância.
Sattva
Aquele que tem Sattva como Guna predominante costuma ter momentos de inspiração, outros de uma tranquila sensação de alegria, mas também de um afeto mais desinteressado pelo próximo e de calma quase que meditativa. São conhecidos como indivíduos dotados de consciência interior, unificados em mente e coração. Eles são sempre tendenciosos a ver o lado bom de tudo, e olhar a vida como uma bela experiência de aprendizagem.
Sattva em sua essência representa características como a luz, a pureza, o conhecimento, a satisfação, a bondade, a compaixão, a inteligência e a cooperação para com o outro. Pessoas que possuem Sattva como predominância em suas personalidades, ou está vivenciando uma disposição de ânimo podem ser identificadas a partir de uma série de características:
Coragem;
Integridade;
Capacidade do perdão;
Ausência de paixão, de raiva ou ciúme;
Calma;
Cuidam de si e de seus corpos;
Atenciosos;
Equilíbrio;
Quanto Sattva se encontra em seu estado de dominância, o indivíduo é capaz de vivenciar uma mente firme e impenetrável. Esse equilíbrio e foco pode ajuda-lo tanto a tomar determinadas decisões, dar o primeiro passo rumo a uma ação, ou simplesmente se concentrar em processos de meditação.
Para os que necessitam de mais Sattva em seu dia a dia, podem adotar práticas como o cultivo espiritual, técnicas de yoga, meditação, cânticos, mantras, dietas e um estilo de vida sattvíco. Passe mais tempo em contato com a natureza e viva a vida em harmonia. Sua representação é dada pelo deus hindu Vishnu, responsável pela manutenção do universo.
Rajas
Ao contrário das mentes sattvícas, a pessoa que possui o Rajas como dominante nunca está em paz. Com constantes explosões de raiva e desejos arrebatadores, um Rajas intenso torna o indivíduo descontente e inquieto; sem conseguir se sentar ou permanecer tranquilo, ele precisa sempre estar fazendo algo, não importa o que. Seus desejos precisam ser realizados, de uma maneira ou outra. Caso contrário, sua vida se tornará deplorável.
Muito apegado ao poder e aos bens materiais, é bastante fácil identificar pessoas que tenham Rajas em predominância em suas personalidades ou estados mentais afinal, apesar da boa energia, eles tendem a atividades excessivas, a impaciência, inconsistência em suas abordagens e costumam culpar os outros pelos problemas que acometem suas vidas. Além desses fatores, destacam-se também:
Desejo insaciável sobre todos os aspectos (quanto mais tem, mais quer);
Pensamentos perturbados;
Raiva;
Ego;
Ganância;
Luxúria;
Inveja;
Distração ou turbulência da mente.
Para que seja bem aproveitado, esse Guna deve estar sempre em equilíbrio com Sattva. Essa união promove uma expressão positiva, responsável por atividades criativas e construtivas, o que é capaz de gerar energia e entusiasmo para concretiza-las.
Diante de um Rajas intenso, a capacidade de conhecimento do indivíduo é encoberta e, sob a pressão desse Guna, o indivíduo é atacado através de seus sentidos, da mente e do entendimento, tornando-se iludido. Para apaziguar essa condição, é necessário o equilíbrio com Sattva. Rajas é representado pelo deus Brahma, a força criadora ativa no universo.
Tamas
Chegando ao terceiro dos Gunas, Tamas é caracterizado por uma mente fora de foco, sempre desatenta e monótona, dominada por forças inconscientes. Pessoas tamásicas tendem a estar bloqueadas ou com emoções estagnadas. Muitas vezes também são acometidas por maus hábitos, inclusive vícios e outros, tornando-se incapazes de questionar essa condição.
Considerado um verdadeiro atoleiro mental, Tamas é a condição presente sempre que Sattva e Rajas deixam de atuar. Dentre outras características, indivíduos de Tamas apresentam sintomas como:
Tristeza;
Letargia;
Torpor;
Medo;
Ignorância;
Obstinação;
Desespero forte e profundo;
Tendências suicidas;
Violência;
Escuridão;
Desamparo;
Confusão;
Resistência;
Incapacidade de ação.
Além desses fatores, quando Tamas passa a dominar a mente do indivíduo, ela pode se tornar esquecida, sonolenta, apática e incapaz de tomar qualquer atitude ou pensamento proveitoso e positivo.
A pessoa sob influência e dominação de Tamas pode se tornar mais parecida com um animal do que com um ser humano propriamente dito; existe a ausência de julgamento claro e o indivíduo pode ter dificuldades em discernir o certo do errado. Assim como um animal, passa-se a viver somente para si mesmo, podendo ferir o próximo para satisfazer seus desejos. Tomado e cego pela ignorância, é possível que também possa praticar ações perversas.
O Guna Tamas é representado pelo terceiro nome da trindade do hinduísmo, Shiva, conhecido como o deus destruidor (ou transformador), que destrói para dar início a algo novo.
A dieta dos 3 Gunas
Além de parte inerente a essência o indivíduo, os Gunas são também qualidades presentes nos alimentos, e através deles podemos obter o equilíbrio desejado para um ser pleno, em corpo e mente. A Ayurveda sempre recomenda o impulsionamento de Sattva, uma vez que este é o modo neutro e mais balanceado dentre os demais. De um modo mais prático, pode-se dizer que uma comida vegetariana geralmente é Sattva e torna-se Rajas ao adicionar pimenta, fritando ou cozinhando-a demais. No entanto, pode se tornar Tamas se cozida de menos e guardada por muito tempo.
Os alimentos, como dito, também se encontram em um desses três estados e, dependendo de seu modo de preparo, promovem determinado estado mental. Sendo assim, Gunas podem ser vistos como categorias dentro de uma recomendação em forma de pirâmide-guia de alimentos, tendo sempre Sattva como base, Rajas se necessários e Tamas reduzidos na medida do possível.
Antes de introduzirmos alguns dos alimentos presentes em cada classe de Gunas, é de extrema importância adotar alguns hábitos de preparo e ingestão dos alimentos, os quais devem ser manuseados em ambiente tranquilo e limpo, sempre com muita referência e contentamento.
Sirva-os com amor e generosidade. No entanto, não faça sua refeição em frente à TV; também evite conversar ou discutir problemas enquanto se alimenta – sentimentos como raiva à mesa devem ser esquecidos. Não ingira líquidos durante as principais refeições, nem mesmo frutas e/ou sobremesas doces e geladas antes ou logo após. Seu prato não pode conter uma quantidade superior a duas mãos cheias de alimentos sólidos (grãos e vegetais)
Todos esses hábitos errôneos são capazes de prejudicar a sua digestão e todo o alimento mal digerido transforma-se em toxinas (ama) em seu organismo. Como se sabe, o acúmulo de toxinas pode predispor o surgimento de diversas doenças.
Durante as refeições você deverá cultivar a tranquilidade e a capacidade de concentração, sempre se lembrando de mastigar muito bem os alimentos antes de engoli-los. Ao consumir vegetais, dê preferência para os pré-cozidos, cozidos ou refogados; só tome cuidado com o modo de preparo para que seus nutrientes não se percam com a água.
Outro cuidado se dá em relação as estações do ano, as quais também demandam preparos específicos, e consumo de determinados alimentos em especial. Veja alguns detalhes sobre o assunto em duas estações de maiores amplitudes:
Inverno: quando há predominância do clima frio, é recomendado que os alimentos sejam cozidos ou refogados, sendo consumidos ainda quentes;
Verão: em estações onde a luz e o calor, os alimentos devem ser leves, frescos e de fácil digestão. O modo de preparo deve ser capaz de manter o seu frescor. Dê preferência para vegetais e hortaliças em forma de salada.
Independentemente da estação do ano, a regra estabelecida para Ayurveda é sempre a mesma: alimente-se principalmente de alimentos sattvicos, alternando com opções rajásicas somente se lhe for necessário obter mais energia. Tamásicos devem ser evitados a todo custo.
Alimentos Sáttvicos
Conhecido como o “modo de Deus”, essa é força 0 (neutra), o que significa ser equilibrada e a âncora da calma para as correntes energéticas. Dentre os mais abundantes na natureza, os alimentos sáttvicos devem compor cerca de 65% ou mais dos elementos de uma refeição. Como resultado, promovem uma mente clara e é encontrado principalmente em pratos vegetarianos frescos, crus ou cozidos, mas sempre suculentos, nutritivos, fáceis de digerir e feitos com amor.
Esses alimentos também devem ser livres de aditivos e conservantes e podem incluir legumes, vegetais, frutas, ghee e leite fresco. Alguns bons exemplos do que pode ser consumido são: vagens, favas, lentilha, feijão, ervilha, grão-de-bico, soja, broto de feijão, cereais como arroz, milho, centeio, trigo e aveia. Incluem-se também os grãos integrais, vegetais que crescem acima do solo (tubérculos são exceção), nozes (castanhas, avelãs e amêndoas), sementes diversas (linhaça, gergelim, girassol, etc), pólen, mel, cana-de-açúcar, coalhada fresca, soro de leite, leite de soja e ervas e temperos com uso moderado.
Em geral, os alimentos sáttvicos são relacionados ao sabor madhura (doce) e são capazes de estimular a criatividade, a intuição, além de favorecerem os controles mental e emocional. Seus elementos são o ar (vayu) e o éter (akasha). Quando se encontram em predominância no organismo, o indivíduo é capaz de experimentar o samádhi, ou seja, a iluminação da consciência.
Seguir uma dieta sáttvica proporciona saúde, atenção, uma melhora significativa da memória, concentração, honestidade, senso de justiça, inteligência, sabedoria, pureza, luz, discernimento, serenidade, generosidade, compaixão e, para quem trabalha com criação, pode ser uma excelente fonte de insights, eloquência e pensamentos considerados sublimes.
Alimentos Rajásicos
Em quantidade bem menor que o Guna anterior, os alimentos rajásicos devem compor apenas 25% das suas refeições. Ele é considerado o “modo da Paixão” e significa movimento, sendo visto como o princípio positivo (+), sempre ardente e extrovertido. Em comparação com a Medicina Tradicional Chinesa, os Rajas podem se assemelhar a energia Yang masculina.
Em sua dieta, eles podem se apresentar através de todos os alimentos estimulantes, picantes e quentes em sua natureza. São alguns deles as frutas em calda, tâmaras secas, abacates, goiabas, mangas verdes, limões, sucos de fruta (consumo esporádico), levedo de cerveja, berinjelas, ervilhas secas, rabanetes, tomates, ruibarbos, flores de sabor picante, sorvete (consumo moderado), lentilha seca, azeitonas pretas ou verdes, amendoim, chocolate, tubérculos, condimentos (incluem-se alho, pimenta, chilli, sal, vinagre, gengibre, cebola crua e cebolinha), pistache, semente de abóbora, coalhada azeda, queijos (ricota, cottage e outros), açúcares (branco, refinado, mascavo e outros), derivados da cana-de-açúcar (caldo de cana, melado e rapadura), cortes finos de carne, alimentos fermentados ou recém enlatados e ovos.
Alguns itens liberados para a alimentação rajásica tão um tanto quanto controversos e também permitem o consumo de bebidas à base de cafeína como café, chás, energéticos, Coca-Cola e derivados. Outras polêmicas estão para a utilização de cigarros, bebidas alcoólicas, medicamentos e até mesmo drogas.
Os alimentos que tenham sido produzidos com raiva, pratos com frituras ou ingredientes sáttvicos cozidos em demasia também obtêm qualidades rajásicas.
Rajas está relacionado aos sabores (rasas) salgado e picante, capaz de estimular os sentidos e o elemento fogo (tejas), produzindo movimento e calor. Na sociedade moderna temos uma predominância de pessoas rajásicas, tendendo ainda para tamas.
Alimentos Tamásicos
Por fim, temos os alimentos de efeito tamas, os quais são encontrados em menor quantidade na natureza, entretanto são produzidos industrialmente e em maior quantidade pelo homem. No “modo da Ignorância”, esses alimentos significam resistência e descrevem a ideia de princípio negativo (-), frio e incipiente. Assim como Rajas é Yang, tamas se assemelha a energia Yin feminina.
Por serem principalmente compostos por alimentos industrializados, a dieta tamásica deve ser administrada com muita moderação, esporadicamente e, se possível, somente em situações especiais. Alguns itens em particular desta lista devem ser totalmente evitados, pois são capazes de esgotar suas reservas energéticas, causam estagnação, preguiça, embotamento físico e mental, além de torna-lo predisposto a várias doenças.
Sua porcentagem máxima de consumo está em 10% dos alimentos de uma refeição. Alguns elementos que compõem os tamásicos são fast foods, carnes em geral (bovina, suína e outras), proteína vegetal texturizada (carne de soja), frutos do mar, gorduras, alimentos fritos, alimentos congelados, curados, rançosos, requentados, aquecidos em micro-ondas e processados.
Outros exemplos são os sucos de fruta congelados (polpas), leite (pasteurizado, em pó e homogeneizado), sorvete em grandes quantidades, margarina, fungos e cogumelos como champignon, banana em grandes quantidades e à noite, cebola, alho, picles, queijos maturados por fungos (gorgonzola, roquefort, camembert e outros), alimentos embutidos (mortadela, salsicha, salame, linguiça, etc) e enlatados.
Alguns itens como o uso de cigarro, medicamentos, consumo de álcool e de drogas também estão na lista de substâncias tamásicas. Os efeitos a longo prazo promovidos pelo álcool e pelos alimentos feitos com indiferença também possuem qualidades tamásicas.
Relacionados com sentimentos coléricos e destrutivos, os alimentos tamásicos estão associados aos rasas (sabores) amargo e adstringente, estimulando os elementos jala (água) e prithivi (terra) e predispondo o indivíduo a condições como o aumento de gordura e peso corporal, além da formação de muco. Aquele com excesso de tamas pode ser induzido a atitudes materialistas, agindo com apego, insensatez e incapacidade de discernir e julgar o certo e o errado – suas ações são conduzidas puramente pela emoção.
Tudo o que contribui para se alguém se sinta enfraquecido, doente e mal consigo mesmo é considerado tamas. Sua classificação a coloca como a causa de todas as misérias da raça humana.
WeMystic Brasil
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